Tuesday, August 25, 2009

Educação em perspectiva comparada: Brasil e Estados Unidos

Educação e intervenção estatal. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o Estado ocupa um papel relevante no setor de educação. No entanto, há uma grande diferença entre a intervenção estatal norte-americana e a brasileira: a etapa ou estágio em que o Estado concentra sua intervenção. Nos Estados Unidos a ênfase da ação e dos recursos estatais concentra-se na educação fundamental e no ensino médio, deixando para o setor privado a maior parcela de iniciativa e responsabilidade pelo ensino superior. No Brasil ocorre o oposto.

Nos EUA, embora desde os primeiros momentos da colonização inglesa na América houvesse casos de intervenção do governo na educação fundamental (em 1642, Massachusetts tornou compulsória a educação básica, sendo seguida por outras colônias ainda na mesma década), o ensino era predominantemente privado e foi somente em meados do século XIX que o governo efetivou sua presença na educação, mediante o estabelecimento generalizado de escolas públicas. O caráter obrigatório e gratuito da educação limitava-se ao ensino primário.

No Brasil, a presença do Estado na educação só ocorreu, de forma sistemática e generalizada, no século XX, após a Revolução de 1930. No século XIX, a intervenção do governo foi marcada pela criação, em 1808, das duas primeiras faculdades brasileiras (Medicina e Direito), como resultado da transferência da Corte portuguesa para o Brasil. Assim, a presença do Estado no setor se localizava no âmbito da educação superior e atendia quase exclusivamente ao restrito grupo das elites locais e aos recém-chegados membros da Corte. As faculdades criadas pelo príncipe regente D. João VI têm um valor simbólico para a história do Brasil, na medida em que coincidem com uma visão ainda hoje predominante entre setores da sociedade e do governo que patrocinam um processo político de transferência de renda para subsidiar o estudo superior dos filhos das elites e da camada média em prejuízo ao provimento de um ensino fundamental de melhor qualidade à maioria da população. Sobre esse modelo de intervenção estatal na educação se justapõem duas questões, uma de natureza social e outra de caráter econômico, ainda que no mundo concreto essas duas questões se encontrem fortemente imbricadas. A primeira delas leva em conta a natureza escassa dos recursos e refere-se ao custo de oportunidade, isto é, que benefícios à educação fundamental são deixados de lado para que seja atendida a reivindicação dos setores da elite a um ensino superior público e gratuito? A segunda questão relaciona-se à produtividade, isto é, considerando a dificuldade de atender satisfatoriamente à etapa fundamental do ensino, cabe perguntar em qual delas a presença do Estado teria maior impacto sobre o aumento do pool de talentos da sociedade e, consequentemente, sobre a liberação e maximização do capital humano do País? Em outras palavras, as universidades brasileiras não recebem os jovens mais talentosos do País (que podem ser encontrados em todos os estratos socioeconômicos, inclusive nos mais baixos), mas apenas aqueles da camada média que tiveram oportunidade (na educação privada) de desenvolver seus talentos e aptidões. De modo que, muitos jovens talentosos que poderiam desenvolver a tecnologia, o conhecimento e o Produto Interno Bruto do País não são “aproveitados” pelo sistema educacional brasileiro. Assim, capital humano (que é hoje reconhecido como a principal riqueza de uma nação) é deixado de lado e subaproveitado, quando não marginalmente aproveitado pelo crime organizado e outras atividades sócio e economicamente destrutivas.

Evidentemente que tal diferença no sistema educacional norte-americano e brasileiro se insere em espaços marcados por distintas ordenações políticas e culturais. A grosso modo temos como distinção central o aspecto democrático da sociedade norte-americana e que se traduz numa educação básica pública democratizada, abrindo oportunidades aos seus cidadãos talentosos. Do outro lado, no caso do Brasil, temos uma sociedade historicamente elitista e autoritária e uma educação que expressa tal situação. Assim, no Brasil, como colocado anteriormente, temos certo descaso do Estado em relação as duas primeiras etapas da educação (fundamental e médio) frente a um ensino público de relativa boa qualidade no âmbito superior. Essa situação se perpetua graças a um ciclo vicioso elitista: os jovens de boa condição socioeconômica frequentam as melhores escolas nas duas primeiras fases da educação se tornando os cidadãos aptos a ingressar no ensino superior de melhor qualidade.

Conteúdo e objetivo da educação. O conteúdo da educação está intimamente ligado aos objetivos da mesma. No entanto, há mais um agravante na problemática educacional do Brasil quando comparada aos Estados Unidos: a educação privada no ensino médio a que jovens da camada média e elite têm acesso é melhor no que concerne à “formação” para o ingresso nas universidades, ou seja, apenas para garantir boa aprovação nos insossos vestibulares. Por outro lado, pesquisas sobre as escolas privadas de Washington mostram que o elemento considerado como prioritário pela sociedade da capital norte-americana é a qualidade das atividades e o nível de formação dos profissionais da área de arte e desportos, considerado fator fundamental para o desenvolvimento de habilidades centrais, tais como criatividade, a inovação e capacidade de atuar em equipe. Nos Estados Unidos, as empresas e os departamentos de Recursos Humanos dão grande atenção a jovens recém-formados que, durante sua vida escolar, tenham sido, por exemplo, chefe-de-torcida em sua escola, por considerarem essa atividade um fator indicador de capacidade de liderança e coordenação. Já nas escolas-empresas do Brasil, de um modo geral, o espaço para a arte e os desportos é praticamente desprezível. Os diretores-empresários, interessados somente em lucrar, substituem os educadores. Para os “coronéis” da educação é mais fácil (e barato) organizar um produto-ensino canalizando toda a energia da “garotada” para a memorização de conteúdos que a maioria dos estudantes não tem noção de por que estudá-los – a não ser pelo fato de que podem “cair no vestibular”. São dessa maneira consumidos em sua juventude num esforço enorme em torno das infindáveis listas de exercícios de química, física, etc... As artes e os os esportes que efetivamente poderiam contribuir na formação de um indivíduo autônomo, criativo e produtivo, são legados ao esquecimento.

Medindo os resultados. A aferição dos resultados obtidos pelos modelos educacionais mantidos pelos Estados Unidos e pelo Brasil deve levar em conta não a comparação direta entre os dois países, mas sim entre esses e os seus pares internacionais. Por isso, comparamos os Estados Unidos aos países desenvolvidos e o Brasil aos países emergentes. No que diz respeito ao ensino superior, o modelo norte-americano apresenta resultados inquestionavelmente positivos, mesmo quando comparado a seus pares altamente industrializados. Os Estados Unidos têm 60 instituições universitárias entre as 200 melhores do mundo, contra 26 da Inglaterra, 11 do Japão, 10 da Alemanha e 3 da França. Vale a pena notar que entre as 10 primeiras do ranking de 2008, 6 são norte-americanas, com destaque para a Universidade de Harvard, que repetidamente tem ocupado a primeira posição. O Brasil aparece no ranking apenas com 1 instituição, a Universidade de São Paulo (USP), que ocupa a 196ª posição. Essa situação deixa a educação superior brasileira em uma posição inferior a dos seus pares “emergentes”, a exemplo da China (com 5 universidades, estando uma delas, a Universidade de Tsinghua, entre as 50 melhores) e a Índia (com apenas 2 universidades, mas ambas melhor classificadas que a brasileira USP, aparecendo a 154ª e 174ª posições).


Ironildes Bueno é doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e atualmente é pesquisador visitante da Universidade de Georgetown, em Washington. Rogério Lustosa Victor é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás.

Modelos educacionais: Brasil X Estados unidos

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http://www.dm.com.br/materias/show/t/educacao_em_perspectiva_comparada__brasil_e_estados_unidos