Thursday, July 9, 2009

NOSSOS PRÓPRIOS MALES

Ironildes Bueno*

As relações internacionais têm muitos aspectos comuns com as relações interpessoais. No caso das últimas, alguém já disse que as pessoas poderiam ser classificadas em dois tipos, dependendo do modo que reagem a uma situação de fracasso. O primeiro tipo é o daquelas pessoas que questionam: “quem fez isso comigo?”; já o segundo tipo é o daqueles que se perguntam: “onde foi que eu errei?”. Parece que, nas relações internacionais, a situação não é muito diferente. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche já havia percebido isso no século XIX e deixava a entender que existem nações que são “responsáveis” e nações que são “ressentidas”. Diante do exposto, resta inquerir: que tipo de nação somos nós, brasileiros? Uma nação de responsáveis ou de ressentidos?

Merece uma especial atenção um conjunto de exemplos retirados da História Moderna e Contemporânea de nações que, ao invés de lamentar o passado, assumiram a responsabilidade pelo seu futuro e pela reinvenção de si mesmas. Vale citar alguns casos. Primeiro, a história dos Estados Unidos, a primeira nação a surgir como tal no continente americano. Em vez de culparem os ingleses pela a exploração colonial e a instituição da escravidão, a nova nação removeu os obstaculos internos para o seu progresso, mesmo que as vezes a custo de sangue e de guerra civil. O resultado disso foi que a jovem nação exportou seus valores e suas instituições para o novo e o velho mundo e garantiu para si a incontestável condição de nação mais importante do planeta. A alemanha e o Japão são outros dois casos muito interessantes. Os alemães não eram muito simpáticos aos ingleses, no entanto, em vez de guiarem-se por qualquer resentimento em relação aos últimos pelo atraso industrial da Alemanha em frente a Inglaterra de meados do século XIX, os germanos trataram de se unificar e de, ainda que tardiamente, construir a nação que terminou aquele século como o principal ator da cena internacional européia. O Japão é um caso por excelência. Os japoneses poderiam muito bem se escorarem na sombra radioativa de Hiroxima e Nagasake e culparem os Estados Unidos pela situação lastimavel em que se encontravam no imdeiato pós-Guerra. Longe disso, os japoneses se alinharam ao seu antigo rival e usaram essa alianca como trampolím para devolver ao Japão um lugar de glória em meio a comunidade dos povos.

Contudo, a História Moderna e Contemporânea também é cheia de casos de ressentimento e de gente ressentida. Sinceramente o caso das nações africanas e latino-americanas são os primeiros a serem mentalizados. Basta conversar sobre política internacional com um argentino médio que em poucos segundos você vai ouvir uma ladainha sobre como os Estados Unidos — e não os casais Juan/Eva Perón e Nestor/Cristina Kirchner e a própria sociedade argentina — são os responsáveis pelos males que afetam a “européia” e fracasada nação platina. Igualmente, poucos mexicanos não concordariam com a nacionalmente famosa expressão “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Sobre o que se ouviria em Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador creio ser dispensável tecer qualquer comentário.

Finalmente, cabe voltar a questão inicial: e o Brasil, que tipo de nação somos? Uma nação de responsáveis ou de ressentidos? Me parece que a resposta e híbrida. Somos isso e aquilo. Por um lado, existem setores da intelectualidade, dos partidos políticos e de organizacões da sociedade civil brasileira que seguem uma disposição mental para acreditar que o culpado pelos fracassos nacionais é sempre o outro, seja esse outro um país estrangeiro ou um outro grupo social que não aquele ao qual esses indivíduos pertencem. Por outro lado, é cada vez mais crescente o número de pessoas no Brasil que estão plenamente convencidas de que a pergunta mais apropriada nao é quem fez isso comigo? Este grupo já aprendeu a perguntar-se onde foi que erramos? Não surpreendentemente, é exatamente esse último segmento da sociedade brasileira que está por trás dos grandes avanços e das grandes empresas brasileiras que — seja nas ciências, na tecnologia, no setor de saúde ou nos esportes —engradecem a nação brasileira no exterior.

A conclusão de tudo isso é simples e dura: o ressentimento é inegavelmente uma das forcas mais perversas da história das nações. Pior ainda é o fato dessa perversidade ser acompanhada pela incompetência típica dos irresponsáveis. Portanto, façamos coro a outro filósofo (Jean-Paul Sartre) e brademos em alta voz: não importa o que (Portugal, Inglaterra, EUA ou a Argentina) fizeram de nós, mas o que faremos com aquilo que fizeram de nós. Nós – e ninguém mais - somos os maiores responsáveis pelos nossos próprios males.

*Ironildes Bueno é Pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Georgetown University, em Washington.

No comments:

Post a Comment