Saturday, May 22, 2010

DILMA, NÃO! Os Vícios do Continuísmo e as Virtudes da Alternância



Em qualquer lugar do mundo, o continuísmo é algo arriscado. Na América Latina – onde as forças do populismo, da corrupção, do patrimonialismo e do nepotismo são reconhecidamente mais fortes que em qualquer outro rincão do planeta – os seus malefícios podem ser ainda maiores.

Para além dos riscos e males do continuísmo, também devem serem levadas em conta as virtudes da alternância. A primeira delas é a purificação das instituições e políticas públicas. O processo de purificação se dá de maneira tão simples como eficiente: ao se tornar governo, a antiga oposição tende a manter e usufruir das boas políticas herdadas de seu antecessor e corrigir ou abandonar as más políticas e instuições deixadas pelo seus adversários. O Governo Lula é uma boa manifestação dessa tendência. Depois de haver duramente criticada e combatido a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Plano Real, o superavit primário, 0 manuseio da taxa básica de juros como mecanismo de combate a inflação, o respeito aos contratos e o pagamento da dívida externa, o PT e o presidente Lula mantiveram e até aprimoraram algumas dessas políticas, transparecendo que as viam como práticas positivas para o interesse nacional.




Seria desonesto dizer que a única virtude da administração petista foi a manutenção das boas instituições criadas pelos tucanos. A verdade é que o presidente Lula e o seu partido imprimiram suas próprias marcas. Houve uma correção de rumo: as questões propriamente sociais foram colocadas em um patamar de importância e relevância desconhecido pelo prévio governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O PROUni, a recuperação do poder de compra do salário mínimo e um programa enfrentamento do deficit habitacional (“Minha Casa, Minha Vida”) são boas políticas resultantes dessa mudança de rumo. Pessoalmente, não acredito no discurso tucano de que primeiro o bolo tinha que ser estabilizado para depois ser repartido. Tenho a impressão que, de fato, faltou sensibilidade ou envolvimento dos tucanos com as variáveis sociais. No entanto, é inegável que aquelas boas instituições deixadas ao PT pelo PSDB foram cruciais para a estabilidade macro-econômica que possibilitou a implementação e o custeio dos programas sociais do presidente Lula.



Contudo, há uma pedra no meio (ou fim) do caminho petista. Se na direção social há práticas e políticas positivas, em outros setores os rumos da gestão lulista perigosamente acercam o país do caos. A política fiscal do PT é um bom exemplo disso. A maneira como os petistas administram as contas públicas não é apenas irresponsável. É insustentável. O México, que produz uma riqueza nacional próxima a do Brasil, tem uma máquina pública que custa 10% de seu PIB, enquanto que o Leviatã brasileiro engole quase 40% do produto anual do esforço produtivo dos brasileiros. Dito diferentemente, os cidadãos mexicanos precisam trabalhar até o início de fevereiro para pagar seus impostos, enquanto que nós temos que seguir suando a camisa até fins de maio para pagar os nossos. Ora, não há nenhuma evidência de que o estado brasileiro seja quatro vezes mais eficiente que o estado mexicano. E, mesmo assim, a pré-candidata petista insiste em defender um Estado ainda mais forte. Você pode dizer: “Isso é injusto!” Então eu diria: Isso não é uma questão de justiça ou injustiça. Isso é simplesmente economicamente insustentável. Ainda que já sejamos a oitava economia do mundo, uma continuidade da administração petista vai acabar esgotando o setor produtivo brasileiro e matando a galinha dos ovos de ouro do altamente caro e custoso Estado brasileiro.
Outra má prática petista está relacionada ao ranço socialista e autoritário do partido e do presidente Lula: a dogmatização do partido. Pior que um aumento inconsistente e insustentável do tamanho do Estado é colocar os interesses do partido acima dos interesses daquele. Na velha e monopartidária União Soviética, o PCUS (Partido Comunista da União Soviética) pairava incólume e imaculado sobre o Estado socialista do Leste. No gigante sul-americano, os camaradas José Genuíno, José Dirceu, Delúbio Soares e qualquer outro “companheiro” que roube ou deixe roubar em nome do partido será acolhido e protegido por ele. Todos cuidam do partido e o partido cuida de todos. É verdade que também houve o “mensalão do DEM”. Mas é também verdade que o DEM expulsou o único governador de sua legenda, enquanto que os lacaios petistas não só foram mantidos, como alguns deles foram lançados candidatos pelo partido, em 2006. Isso é ruím, muito ruím, uma vez que, mesmo que em nome do partido, a tolerância a corrupção é única coisa mais maléfica do que a corrupção em si mesma.



Além da irresponsabilidade fiscal e da fidelidade cega ao partido, contam ainda outros más práticas, tais como a partidarização e aparelhamento da política energética e da política externa do país.
Por tudo isso, é certamente muito arriscado optar pelo continuísmo. Em uma democracia de apenas 25 anos, não me parece prudente conceder 12 ininterruptos anos de governo a um mesmo partido, seja ele qual for. Creio que o PT já nos deu o que de bom tinha pra dar. Outra força política democrática se beneficiará das virtudes da alternância e saberá não só usufruir dos bons programas deixados por FHC e Lula, como também corrigirá – ainda que parcialmente – seus desacertos, livrando-nos assim de parte dos vícios do continuísmo. É tempo de alternar. Vote na Marina (como eu vou fazer), vote no Serra, se preferir (ou ore por uma outra alternativa), mas Dilma... DILMA, NÃO!

Tuesday, August 25, 2009

Educação em perspectiva comparada: Brasil e Estados Unidos

Educação e intervenção estatal. Tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, o Estado ocupa um papel relevante no setor de educação. No entanto, há uma grande diferença entre a intervenção estatal norte-americana e a brasileira: a etapa ou estágio em que o Estado concentra sua intervenção. Nos Estados Unidos a ênfase da ação e dos recursos estatais concentra-se na educação fundamental e no ensino médio, deixando para o setor privado a maior parcela de iniciativa e responsabilidade pelo ensino superior. No Brasil ocorre o oposto.

Nos EUA, embora desde os primeiros momentos da colonização inglesa na América houvesse casos de intervenção do governo na educação fundamental (em 1642, Massachusetts tornou compulsória a educação básica, sendo seguida por outras colônias ainda na mesma década), o ensino era predominantemente privado e foi somente em meados do século XIX que o governo efetivou sua presença na educação, mediante o estabelecimento generalizado de escolas públicas. O caráter obrigatório e gratuito da educação limitava-se ao ensino primário.

No Brasil, a presença do Estado na educação só ocorreu, de forma sistemática e generalizada, no século XX, após a Revolução de 1930. No século XIX, a intervenção do governo foi marcada pela criação, em 1808, das duas primeiras faculdades brasileiras (Medicina e Direito), como resultado da transferência da Corte portuguesa para o Brasil. Assim, a presença do Estado no setor se localizava no âmbito da educação superior e atendia quase exclusivamente ao restrito grupo das elites locais e aos recém-chegados membros da Corte. As faculdades criadas pelo príncipe regente D. João VI têm um valor simbólico para a história do Brasil, na medida em que coincidem com uma visão ainda hoje predominante entre setores da sociedade e do governo que patrocinam um processo político de transferência de renda para subsidiar o estudo superior dos filhos das elites e da camada média em prejuízo ao provimento de um ensino fundamental de melhor qualidade à maioria da população. Sobre esse modelo de intervenção estatal na educação se justapõem duas questões, uma de natureza social e outra de caráter econômico, ainda que no mundo concreto essas duas questões se encontrem fortemente imbricadas. A primeira delas leva em conta a natureza escassa dos recursos e refere-se ao custo de oportunidade, isto é, que benefícios à educação fundamental são deixados de lado para que seja atendida a reivindicação dos setores da elite a um ensino superior público e gratuito? A segunda questão relaciona-se à produtividade, isto é, considerando a dificuldade de atender satisfatoriamente à etapa fundamental do ensino, cabe perguntar em qual delas a presença do Estado teria maior impacto sobre o aumento do pool de talentos da sociedade e, consequentemente, sobre a liberação e maximização do capital humano do País? Em outras palavras, as universidades brasileiras não recebem os jovens mais talentosos do País (que podem ser encontrados em todos os estratos socioeconômicos, inclusive nos mais baixos), mas apenas aqueles da camada média que tiveram oportunidade (na educação privada) de desenvolver seus talentos e aptidões. De modo que, muitos jovens talentosos que poderiam desenvolver a tecnologia, o conhecimento e o Produto Interno Bruto do País não são “aproveitados” pelo sistema educacional brasileiro. Assim, capital humano (que é hoje reconhecido como a principal riqueza de uma nação) é deixado de lado e subaproveitado, quando não marginalmente aproveitado pelo crime organizado e outras atividades sócio e economicamente destrutivas.

Evidentemente que tal diferença no sistema educacional norte-americano e brasileiro se insere em espaços marcados por distintas ordenações políticas e culturais. A grosso modo temos como distinção central o aspecto democrático da sociedade norte-americana e que se traduz numa educação básica pública democratizada, abrindo oportunidades aos seus cidadãos talentosos. Do outro lado, no caso do Brasil, temos uma sociedade historicamente elitista e autoritária e uma educação que expressa tal situação. Assim, no Brasil, como colocado anteriormente, temos certo descaso do Estado em relação as duas primeiras etapas da educação (fundamental e médio) frente a um ensino público de relativa boa qualidade no âmbito superior. Essa situação se perpetua graças a um ciclo vicioso elitista: os jovens de boa condição socioeconômica frequentam as melhores escolas nas duas primeiras fases da educação se tornando os cidadãos aptos a ingressar no ensino superior de melhor qualidade.

Conteúdo e objetivo da educação. O conteúdo da educação está intimamente ligado aos objetivos da mesma. No entanto, há mais um agravante na problemática educacional do Brasil quando comparada aos Estados Unidos: a educação privada no ensino médio a que jovens da camada média e elite têm acesso é melhor no que concerne à “formação” para o ingresso nas universidades, ou seja, apenas para garantir boa aprovação nos insossos vestibulares. Por outro lado, pesquisas sobre as escolas privadas de Washington mostram que o elemento considerado como prioritário pela sociedade da capital norte-americana é a qualidade das atividades e o nível de formação dos profissionais da área de arte e desportos, considerado fator fundamental para o desenvolvimento de habilidades centrais, tais como criatividade, a inovação e capacidade de atuar em equipe. Nos Estados Unidos, as empresas e os departamentos de Recursos Humanos dão grande atenção a jovens recém-formados que, durante sua vida escolar, tenham sido, por exemplo, chefe-de-torcida em sua escola, por considerarem essa atividade um fator indicador de capacidade de liderança e coordenação. Já nas escolas-empresas do Brasil, de um modo geral, o espaço para a arte e os desportos é praticamente desprezível. Os diretores-empresários, interessados somente em lucrar, substituem os educadores. Para os “coronéis” da educação é mais fácil (e barato) organizar um produto-ensino canalizando toda a energia da “garotada” para a memorização de conteúdos que a maioria dos estudantes não tem noção de por que estudá-los – a não ser pelo fato de que podem “cair no vestibular”. São dessa maneira consumidos em sua juventude num esforço enorme em torno das infindáveis listas de exercícios de química, física, etc... As artes e os os esportes que efetivamente poderiam contribuir na formação de um indivíduo autônomo, criativo e produtivo, são legados ao esquecimento.

Medindo os resultados. A aferição dos resultados obtidos pelos modelos educacionais mantidos pelos Estados Unidos e pelo Brasil deve levar em conta não a comparação direta entre os dois países, mas sim entre esses e os seus pares internacionais. Por isso, comparamos os Estados Unidos aos países desenvolvidos e o Brasil aos países emergentes. No que diz respeito ao ensino superior, o modelo norte-americano apresenta resultados inquestionavelmente positivos, mesmo quando comparado a seus pares altamente industrializados. Os Estados Unidos têm 60 instituições universitárias entre as 200 melhores do mundo, contra 26 da Inglaterra, 11 do Japão, 10 da Alemanha e 3 da França. Vale a pena notar que entre as 10 primeiras do ranking de 2008, 6 são norte-americanas, com destaque para a Universidade de Harvard, que repetidamente tem ocupado a primeira posição. O Brasil aparece no ranking apenas com 1 instituição, a Universidade de São Paulo (USP), que ocupa a 196ª posição. Essa situação deixa a educação superior brasileira em uma posição inferior a dos seus pares “emergentes”, a exemplo da China (com 5 universidades, estando uma delas, a Universidade de Tsinghua, entre as 50 melhores) e a Índia (com apenas 2 universidades, mas ambas melhor classificadas que a brasileira USP, aparecendo a 154ª e 174ª posições).


Ironildes Bueno é doutorando em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e atualmente é pesquisador visitante da Universidade de Georgetown, em Washington. Rogério Lustosa Victor é doutorando em História pela Universidade Federal de Goiás.

Modelos educacionais: Brasil X Estados unidos

Veja artigo sobre modelos educacionais: Brasil e Estados Unidos. Basta clicar no link abaixo!

http://www.dm.com.br/materias/show/t/educacao_em_perspectiva_comparada__brasil_e_estados_unidos

Thursday, July 9, 2009

DANDO VALOR AOS AMIGOS Obama e a Nova Estrategia para a America Latina

Ironildes Bueno*

Ha algo verdadeiramente novo em Washington. Esse algo novo é a maneira como a capital norte-americana passa a tratar o Brasil. Pela primeira vez nos ultimos anos, no que diz respeito a America Latina, a imprensa e os formadores de opiniao publica em Washington, seguindo os passos do lider Barack Obama, comecam a dar mais atencao a um amigo do que aos inimigos. É bastante interessante notar a maneira como o Brasil finalmente vai superando a Venezuela nas colunas dos jornais e nos corredores das universidades da capital norte-americana.

É verdade e deve ser dito claramente que um dos grandes meritos de George W. Bush foi o percepcao de que nao deveria conflitar com o entao historico esquerdista Lula da Silva, quando esse chegou ao poder, em 2003. No entanto, essa postura de Bush em relacao a Lula nao impediu que o lider norte-americano desse mais atencao ao rival declarado, o polemico presidente venezuelano Hugo Chavez. Desse modo, ao ocupar-se mais do inimigo, Bush, a imprensa, e os academicos de Washington reservavam boa parte dos discursos politicos, das noticias nos jornais e dos eventos academicos para a Venezuela e outros países considerados do “bloco” de Chavez. Até mesmo países com baixíssima parcela relativa de poder, como a Bolívia e o Equador, passaram a ter mais peso que o Brasil no debate de politica internacional conduzido em Washington. No entanto, com Obama isso definitivamente está mudando.

A nova situacao leva a crer que um dos conselheiros de Obama para a America Latina, ou talvez o proprio presidente por si mesmo, tenha percebido que os interesses dos Estados Unidos da America sao melhor atendidos quando o governo norte-americano dá mais valor e espaco, inclusive no discurso politico, aos amigos que aos adversarios. Por um lado, percebeu-se que provocar ou dar atencao as provocacoes do presidente Chavez acaba por fortalece-lo. A melhor maneira de cala-lo é nao falar dele. Por outro lado, é crescente a idéia de que, sobretudo diante da crise economica global, é preciso ajustar o debate politico ao peso economico dos países da regiao e, portanto, dar especial voz e vez a paises como o Brasil e o Mexico.

Outra coisa nova em Washington é a conscientizacao de que os intrumentos de analise da situacao latino-americana precisam ser reavaliados. É crescente a suspeita de que a abordagem como feita até recentemente estava influenciada por resíduos de nocoes do tempo da Guerra Fria, como se houvesse um “bloco” liderado por um “polo” representado pela Venezuela. Ha gente muito seria e influente em Washington que comeca a acreditar que nao nao existe uma situacao de “alinhamento” entre a Venezuela e seus vizinhos. Essas mesmas pessoas acreditam que se tem superestimado o peso de Chaves na ascensao e no conteudo das polticas de lideres como Rafael Correa, Daniel Ortega e Evo Morales. O novo pensamento é de que, ainda que nao se possa negar a influencia do presidente venezuelano nas politicas de alguns paises da regiao, existem fatores proprios da Bolivia, do Equador e da Nicaragua que sao muito mais importantes que Chavez e definitivamente muito mais determinantes para a definicao do quadro politico vigente nesses países. Em outras palavras, ainda que Correa, Morales e Ortega se parecem a Chavez, aqueles nao sao “crias” desse. A elasticidade do populismo – capaz de transitar da extrema direita a extrema esquerda, sem prejuizo a sua essencia − é indicada como sendo um desses fatores que, independentemente de Chavez, empurram os governos e as sociedades desses países rumo as atuais praticas.

Finalmente, o sentimento que comeca a se consolidar em Washington é o de que uma maneira mais intelegente e mais eficiente de enfraquecer os inimigos é fortalecendo os amigos. Quando o presidente Barack Obama reconhece o Brasil como “jogador global” e rasga elogios ao seu colega brasileiro, ele está dando “estímulo” a um regime que, ainda que longe de ser o ideal, faz do Brasil algo bem mais proximo dos valores defendidos pelos EUA do que a barulhenta Venezuela de Chavez.

Ironildes Bueno é Pesquisador Visitante da Georgetown University, em Washington.

DIREITA, VOLVER! Mitos sobre a Direita no Brasil

Ironildes Bueno*

Não existem partidos ou líderes políticos de direita no Brasil— pelo menos se levarmos em conta o critério de auto-identificação. Esse procedimento é largamente utilizado, até mesmo pelo polêmico sistema de cotas instituido no ensino superior nacional, pelo qual negro é quem se auto-identifica como tal. Aplicando o mesmo critério para classificar partidos e líderes políticos, pode-se afirmar que de um modo geral não há direita no Brasil. Os líderes políticos não declaram em alta e clara voz “eu sou de direita”! O sujeito, no máximo, é de centro — e preferencialmente de centro-esquerda. Se existe uma direita, ela só existe por exclusão: aqueles que não se identificam como pertencentes à esquerda ou ao centro são “banidos” para a direita. Honestamente, no Brasil ser de direita é impopular. Dizer que alguém é de direita é quase uma acusação, senão um xingamento. A questão é: por que isso acontece? Certamente, a razão disso é o fato de existir no país um grande número de preconceitos e mitos em relação ao que é ser de direita.

O primeiro mito é aquele que relaciona a direita à ditadura. Que a história está cheia de ditaduras de direita não há dúvidas. No entanto, também não há nenhuma dúvida que o número de regimes autoritários de esquerda é ainda infinitamente maior. Por alguma razão, intelectualmente ingênua ou desonesta, muitos formadores de opinião se esquecem rapidamente que eram de esquerda os autoritários e brutais regimes de Maximile Robspierre na França, de Lenin e Stalin na então União Soviética, de Mao Tse-Tung na China, de Ho Chi Mihn no Vietnã, de Daniel Ortega na Nicarágua, de Agostinho Neto em Angola, etc e etc. Isso para não mencionar que o maior símbolo da esquerda latino-americana (o argentino “Che” Guevara) foi um dos fundadores e ideólogos do único regime não-democrático atualmente existente nas Américas. Aliás, é preciso denunciar que a maioria dos professores de História do ensino médio enganam nossos adolescentes, vendendo Che Guevara como um herói da resistencia democrática. É uma pena que a profissão de historiador ainda não seja regulada no país, pois se fosse, alguém teria que ser condenado por desonestidade intelectual, doutrinamento ou algo correspondente! Está mais do que claro que historicamente ditadura não é característica exclusiva ou automática da direita, do centro ou da esquerda.

O segundo mito é o de que ser de direita é ser inimigo do bem-estar social. O que os construtores dessa idéia ignoram, ou pretensamente ignoram, é que durante a Guerra Fria, foram as potências capitalistas situadas à direita do esquerdista bloco comunista que alcançaram os mais altos padrões de vida e de conquistas sociais. É simples: os habitantes de Berlim Ocidental (capitalista) tinham um melhor padrão de vida do que os de Berlim Oriental (socialista) e, por isso, o muro foi derrubado pelos ultimos e não pelos primeiros! Ora, obviamente a questão não é ser a favor ou contra um maior número de pessoas partilhando de boas condições de vida. O que difere a esquerda da direita é o caminho a ser trilhado. Há que ser dito que a direita não só defende uma sociedade em que se possa viver com dignidade, como fortemente acredita que tem a melhor proposta para atingir o legítimo e sustentável bem-estar social.

Existem ainda outros mitos. Alguns deles divorciam a direita dos Direitos Humanos ou impõem um casamento necessário entre direita e corrupção, outros criam um maniqueismo pobre através de uma falsa dualidade esquerda-nacionalista e direita-entreguista. Esses mitos incorrem em muitos equívocos, como o de confundir interesse público com interesse de funcionários públicos ou interesses de outras corporações tão fortes como, em geral, improdutivas.

Roberto Campos – um dos melhores representantes do pensamento de direita no Brasil e, ao mesmo tempo, uma das maiores vítimas dos preconceitos contra o mesmo pensamento –sempre chamou a atenção para os mitos e inverdades disseminados pelos intelectuais de esquerda a respeito da história político-ideológica do Brasil. Na ausência de Campos, uma vez mais é preciso reconstruir o orgulho de ser de direita e de se identificar como tal, plenamente convictos de que isso significa ser democrata, defensor do bem-estar coletivo, dos Direitos Humanos, do meio-ambiente, das minorias e, sobretudo, da liberdade.

Ironildes Bueno é Pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Georgetown University, em Washington.

NOSSOS PRÓPRIOS MALES

Ironildes Bueno*

As relações internacionais têm muitos aspectos comuns com as relações interpessoais. No caso das últimas, alguém já disse que as pessoas poderiam ser classificadas em dois tipos, dependendo do modo que reagem a uma situação de fracasso. O primeiro tipo é o daquelas pessoas que questionam: “quem fez isso comigo?”; já o segundo tipo é o daqueles que se perguntam: “onde foi que eu errei?”. Parece que, nas relações internacionais, a situação não é muito diferente. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche já havia percebido isso no século XIX e deixava a entender que existem nações que são “responsáveis” e nações que são “ressentidas”. Diante do exposto, resta inquerir: que tipo de nação somos nós, brasileiros? Uma nação de responsáveis ou de ressentidos?

Merece uma especial atenção um conjunto de exemplos retirados da História Moderna e Contemporânea de nações que, ao invés de lamentar o passado, assumiram a responsabilidade pelo seu futuro e pela reinvenção de si mesmas. Vale citar alguns casos. Primeiro, a história dos Estados Unidos, a primeira nação a surgir como tal no continente americano. Em vez de culparem os ingleses pela a exploração colonial e a instituição da escravidão, a nova nação removeu os obstaculos internos para o seu progresso, mesmo que as vezes a custo de sangue e de guerra civil. O resultado disso foi que a jovem nação exportou seus valores e suas instituições para o novo e o velho mundo e garantiu para si a incontestável condição de nação mais importante do planeta. A alemanha e o Japão são outros dois casos muito interessantes. Os alemães não eram muito simpáticos aos ingleses, no entanto, em vez de guiarem-se por qualquer resentimento em relação aos últimos pelo atraso industrial da Alemanha em frente a Inglaterra de meados do século XIX, os germanos trataram de se unificar e de, ainda que tardiamente, construir a nação que terminou aquele século como o principal ator da cena internacional européia. O Japão é um caso por excelência. Os japoneses poderiam muito bem se escorarem na sombra radioativa de Hiroxima e Nagasake e culparem os Estados Unidos pela situação lastimavel em que se encontravam no imdeiato pós-Guerra. Longe disso, os japoneses se alinharam ao seu antigo rival e usaram essa alianca como trampolím para devolver ao Japão um lugar de glória em meio a comunidade dos povos.

Contudo, a História Moderna e Contemporânea também é cheia de casos de ressentimento e de gente ressentida. Sinceramente o caso das nações africanas e latino-americanas são os primeiros a serem mentalizados. Basta conversar sobre política internacional com um argentino médio que em poucos segundos você vai ouvir uma ladainha sobre como os Estados Unidos — e não os casais Juan/Eva Perón e Nestor/Cristina Kirchner e a própria sociedade argentina — são os responsáveis pelos males que afetam a “européia” e fracasada nação platina. Igualmente, poucos mexicanos não concordariam com a nacionalmente famosa expressão “pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”. Sobre o que se ouviria em Cuba, Venezuela, Bolívia, Nicarágua e Equador creio ser dispensável tecer qualquer comentário.

Finalmente, cabe voltar a questão inicial: e o Brasil, que tipo de nação somos? Uma nação de responsáveis ou de ressentidos? Me parece que a resposta e híbrida. Somos isso e aquilo. Por um lado, existem setores da intelectualidade, dos partidos políticos e de organizacões da sociedade civil brasileira que seguem uma disposição mental para acreditar que o culpado pelos fracassos nacionais é sempre o outro, seja esse outro um país estrangeiro ou um outro grupo social que não aquele ao qual esses indivíduos pertencem. Por outro lado, é cada vez mais crescente o número de pessoas no Brasil que estão plenamente convencidas de que a pergunta mais apropriada nao é quem fez isso comigo? Este grupo já aprendeu a perguntar-se onde foi que erramos? Não surpreendentemente, é exatamente esse último segmento da sociedade brasileira que está por trás dos grandes avanços e das grandes empresas brasileiras que — seja nas ciências, na tecnologia, no setor de saúde ou nos esportes —engradecem a nação brasileira no exterior.

A conclusão de tudo isso é simples e dura: o ressentimento é inegavelmente uma das forcas mais perversas da história das nações. Pior ainda é o fato dessa perversidade ser acompanhada pela incompetência típica dos irresponsáveis. Portanto, façamos coro a outro filósofo (Jean-Paul Sartre) e brademos em alta voz: não importa o que (Portugal, Inglaterra, EUA ou a Argentina) fizeram de nós, mas o que faremos com aquilo que fizeram de nós. Nós – e ninguém mais - somos os maiores responsáveis pelos nossos próprios males.

*Ironildes Bueno é Pesquisador do Centro de Estudos Latino-Americanos da Georgetown University, em Washington.

To whom?

My former and current coleagues and students.